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quarta-feira, 16 de outubro de 2013



O público e o privado na infraestrutura que não 


vem

Por Cyro Andrade | De São Paulo
Ana Paula Paiva/Valor / Ana Paula Paiva/Valor
Oliveira: é excessiva a participação pública no financiamento da infraestrutura
Muitas das principais questões da economia brasileira podem ser colocadas no contexto das relações entre Estado e iniciativa privada e dos diferentes graus em que essa convivência veio se dando ao longo do tempo. Mais recentemente, o interesse pelo assunto passou a se concentrar em questões de regulação de mercados. Ainda mais perto, saltou-se para a temática dos investimentos em infraestrutura. A coletânea de artigos reunidos em “Parcerias Público-Privadas – Experiências, Desafios e Propostas” vem para ser uma referência no debate que agora toma impulso sobre a distribuição de responsabilidades entre Estado e iniciativa privada nesse campo crucial da economia política. Encontra-se ali conteúdo denso e tematicamente variado para estimular reflexões sobre o que poderia ser uma equação de equilíbrio entre os pesos de uma parte e de outra, aplicável a políticas de investimento que se pretendam eficazes.
Leilões de concessões recentemente realizados ofereceram ocasião para expressão de conflitos de posições entre o governo federal e a iniciativa privada, em vez de servir à acomodação de interesses e ao pronto andamento de licitações e realização de projetos. Em que medida esse descompasso refletiria incompetência técnica de burocratas e/ou sua desinformação a respeito de como se constroem expectativas de risco e lucratividade na iniciativa privada? E em que medida influiria algum tipo de viés político ou ideológico, tanto nas posições de burocratas como no conteúdo das críticas que lhes são feitas fora do governo?
O economista Gesner Oliveira, um dos organizadores do livro, disse, em entrevista ao Valor, que um levantamento, feito em todo o país, mostrou que “há um número razoável de projetos [de parcerias público-privadas], mas poucos em execução”, “porque demora muito para uma PPP ser aprovada”. Tem-se aí um contraste: “O Brasil precisa do tempo econômico na elaboração e aprovação das PPPs, mas ainda prevalece o tempo burocrático”. (Oliveira é autor do artigo “Como destravar as parcerias público-privadas”, que assina com Fernando S. Marcato e Pedro Scazufca).
Seria preciso, então, superar o atraso decorrente de um descompasso entre o setor privado e o governo no que se refere à adoção das parcerias como forma de agilização de investimentos. “O governo sempre manifestou a intenção de aumentar o investimento em infraestrutura, mas demorou a dar sinais inequívocos de que queria de fato trazer o setor privado para um esforço conjunto”, diz Oliveira. “ Teria havido um progresso: “É positivo que [o governo] tenha alterado sua posição inicial de resistência às parcerias e concessões, mas falta assegurar a estabilidade das regras, de forma a reduzir o risco regulatório e, consequentemente, o custo de capital, permitindo o aumento do investimento privado. Para que isso seja possível, é necessário um novo padrão de diálogo entre governo e iniciativa privada, baseado na transparência, no entendimento mútuo das restrições de cada lado e na construção de soluções comuns para os problemas da infraestrutura.” Os artigos tratam, sob diferentes enfoques, de formas para destravar as PPPs, em boa parte sob o aspecto de mudanças normativas. “O recado mais importante, porém, é que o país precisa de uma mudança cultural no diálogo entre Estado e setor privado”, observa Oliveira.
A questão fiscal, espécie de pendência permanente com carga específica de incertezas, ajuda a emperrar o andamento da expansão “cultural” de uma renovada divisão de responsabilidades entre Estado e iniciativa privada. “As restrições fiscais são relevantes na medida em que condicionam o conjunto das políticas públicas”, diz Oliveira. “O investimento do governo tem sido muito baixo e a restrição fiscal constitui uma das razões para isso. Essa mesma restrição torna evidente a necessidade de mobilizar o capital privado mediante parcerias.”
A questão fiscal, espécie de pendência permanente com carga específica de incertezas, ajuda a emperrar o andamento da expansão “cultural” de uma renovada divisão de responsabilidades entre Estado e iniciativa privada. “As restrições fiscais são relevantes na medida em que condicionam o conjunto das políticas públicas”, diz Oliveira. “O investimento do governo tem sido muito baixo e a restrição fiscal constitui uma das razões para isso. Essa mesma restrição torna evidente a necessidade de mobilizar o capital privado mediante parcerias.”
Entram aqui, no mesmo circuito de razões para incerteza, questões de circunstância e de firmeza institucional. O governo fala em reformulação do papel do BNDES, por exemplo, que passaria (ou voltaria) a financiar apenas projetos de infraestrutura, deixando, assim, de apoiar projetos de internacionalização de empresas privadas, como fez até agora. Também haveria redução de aportes do Tesouro e a venda de ativos (também para reduzir a necessidade dessas alocações de recursos). Em boa parte, se não totalmente, essas iniciativas têm a ver com pressões de agências de classificação de risco, que ameaçam rebaixar a nota do país por força do crescimento acentuado da dívida pública. A pergunta é natural: trata-se de decisões ditadas apenas por pressões de momento, e externas, ou refletiriam uma revisão de atitude estratégica, para dar uma nova e relevante caracterização à presença do Estado em investimentos de infraestrutura?
Há um limite claro à expansão dos empréstimos subsidiados do BNDES, como se lê no artigo de Armando Castelar (“Momento de definição na infraestrutura brasileira”), análise que se articula com a de Luiz Chrysóstomo (“Financiamento de longo prazo e mercado de capitais em investimentos de infraestrutura”), que discute a importância de se desenvolverem novos mecanismos de financiamento de longo prazo, para complementar os recursos vindos dos canais oficiais, como BNDES e Caixa Econômica. São considerações que se casam com as encontradas no artigo “Um novo paradigma para o investimento público: parcerias, formas de gestão e ampliação das fontes de financiamento”, de José Roberto R. Afonso e Geraldo Biasoto Jr.
“A participação pública no financiamento da infraestrutura é importante, mas a proporção em que ocorre no Brasil é exagerada”, diz Oliveira. “Seria importante aumentar a participação privada através de novos mecanismos de financiamento privado. Há um grande potencial de crescimento para fundos de investimento em infraestrutura. Há um interesse crescente de fundos de “private equity” e há novos instrumentos de captação, como as debêntures de infraestrutura.”
Parece, assim, que o setor privado se adiantou, preparando-se para possibilidades de investimento, mesmo enquanto, nos últimos anos, o governo preferia acreditar que o crescimento econômico poderia ser conduzido basicamente por estímulos ao consumo. Esgotada essa alternativa, de fôlego previsivelmente curto, elege-se o investimento em infraestrutura como prioridade entre as prioridades. A mudança de foco viria agora com grau suficiente de credibilidade?
É uma questão de governança “esperada”, habitante das expectativas com que investidores traçam estratégias e tomam decisões. Não é, de novo, um campo de certezas estabelecidas. Oliveira concorda: “O ciclo de consumo foi intenso, mas seus limites são claros. A expansão do crédito na economia, a bancarização e a incorporação de um novo contingente de consumidores ao mercado teve forte efeito nos últimos anos, mas a taxa de expansão teria inevitavelmente que diminuir, uma vez que novos níveis de equilíbrio de crédito e endividamento são atingidos.”
Os horizontes a explorar agora são outros: “O crescimento sustentado da economia depende de uma expansão do investimento em algo em torno de 5-6 pontos percentuais do PIB. Isso não ocorre de forma espontânea. A decisão de investir depende fortemente das expectativas dos empresários acerca do futuro, que ainda parece muito incerto. O governo não deveria poupar esforços para reduzir riscos e custos sobre o investimento, como a carga tributária, de forma a induzir maior investimento em infraestrutura.”
A parceria público-privada pode ser o instrumento que viabilize um encontro de expectativas, de parte a parte. Governos, naturalmente, também têm as suas. “A PPP permite a repartição de riscos entre os dois parceiros. Tal divisão deve ser feita de forma a atribuir a cada um o risco em relação ao qual tenha maior capacidade de gerir e mitigar. As matrizes de risco dos vários projetos discutidos no livro são ilustrativas a esse respeito”, diz Oliveira. “Além da melhor gestão de risco, as PPPs apresentam outras vantagens, como o foco na operação e na qualidade dos serviços para a população, que, afinal, deveria ser o grande objetivo da política pública e que foi o pleito, ainda que difuso, das manifestações de junho. Outras grandes vantagens estão associadas à redução do custo de transação e à possibilidade de mais uma modalidade de financiamento.”
“É crucial facilitar a elaboração de bons projetos. O setor público tem dificuldades em contratar com a lei 8666 (de licitações). As manifestações de interesse constituem uma boa alternativa, mas também são excessivamente burocratizadas. Uma alternativa é a formação de empresas estruturadoras de projetos.”
Que espécie de projetos, com quais requisitos de competência e eficiência, tanto públicas como privadas? Será instrutivo ler o artigo de Claudio R. Frischtak, também no livro: “PPs: a experiência internacional em infraestrutura”. Não há concepções prontas e acabadas, para uso geral. Diz Frischtak: “A lição essencial que se pode inferir do debate recente sobre PPPs diz respeito à necessidade de o setor público deter determinadas competências críticas no interior de arranjos institucionais funcionais, com capacidade de coordenação e gestão dos programas de PPPs. A falta de experiência em alguns países gerou prejuízos consideráveis, que poderiam ter sido evitados se os projetos fossem filtrados com mais rigor ao avaliar o impacto econômico e fiscal, e se instâncias setoriais tivessem recebido maior suporte técnico para a estruturação de PPPs, sua contratação em bases equilibradas na alocação de riscos e posterior fiscalização.”
Resta ver com que nível de aproveitamento qualitativo a experiência brasileira poderá figurar, um dia, em análises históricas sobre o uso de PPPs para fundamentar o desenvolvimento.

"Parcerias Público-Privadas - Experiências, Desafios e Propostas"

Gesner Oliveira e Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho (org.). Editora: Gen/LTC. 409 págs., R$ 75,00
O lançamento de "Parcerias Público-Privadas" será realizado quinta-feira, em São Paulo, na livraria Cultura (av. Paulista, 2073), das 19 às 21 horas, com a presença dos organizadores.


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