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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Especial da Semana

24/09/2013 - 00h000

Crise no modelo asiático pioraria cenário para Brasil

SÃO PAULO - Crescimento da economia à taxa de 4,5% ao ano "ficou para as calendas gregas", ou seja, dificilmente se repetirá, pelo menos no médio prazo...

Roberto Muller Filho / Liliana Lavoratti
foto: Paulo BaretaFábio Silveira: "Estamos na pós-adolescência, começando a amadurecer, encontrando alguns limites, inclusive do crescimento. Isso já está acontecendo com a indústria, que luta pelo equilíbrio"
Fábio Silveira: "Estamos na pós-adolescência, começando a amadurecer, encontrando alguns limites, inclusive do crescimento. Isso já está acontecendo com a indústria, que luta pelo equilíbrio"
SÃO PAULO — Crescimento da economia à taxa de 4,5% ao ano “ficou para as calendas gregas”, ou seja, dificilmente se repetirá, pelo menos no médio prazo, pois o horizonte para os próximos dois anos é de baixo crescimento:  2,0%, 2,5%, 2,6%. A avaliação é do diretor de pesquisas econômicas da consultoria GO Associados, Fábio Silveira. Em entrevista ao jornal DCI, ele enumera as razões pelas quais acha difícil o País recuperar o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) à taxa alcançada pouco tempo atrás.
Além das dificuldades da Europa e dos Estados Unidos, Silveira levanta a preocupação com o alastramento do baixo ritmo de crescimento da China, para outros países asiáticos, o que seria ruim para o Brasil, pela importância dessas economias nas nossas exportações. “Existe uma coisa mais ampla que diz respeito ao entorno da China: a possibilidade de uma crise asiática. A Índia já teve uma desvalorização forte, como na Indonésia e Malásia. E a Coreia do Sul cresce pouco. Não é só no Brasil que o custo de vida se torna mais caro, na Ásia também. Os asiáticos, com exceção dos chineses, estão com queda de consumo e isso compromete o próprio crescimento na região”, argumenta o economista.
A seguir, a entrevista.
DCI: Ainda há tempo de uma recuperação da economia neste ano, acima do que aconteceu até agora?
Fabio Silveira: A economia está andando bem devagar. A indústria não crescerá mais do que 1,5%, que não vai recuperar a perda de 2012. Apesar de toda a desvalorização cambial, não há mais tempo hábil e nem força competitiva para reverter esse quadro de debilidade no qual a indústria mergulhou nos últimos anos e que agora ela tem uma esperança de retomada com a desvalorização do real. Ao mesmo tempo que a desvalorização aumenta a competitividade da exportação e reduz a concorrência com os importados, esse efeito é restrito porque nossa pauta de exportações é majoritariamente de produtos básicos, intermediários, commodities ou quase commodities. Não temos uma concorrência via preço. O sujeito que está importando soja não faz isso porque é mais barato neste ou naquele país, mas porque se necessita desse produto.
DCI: Qual é o peso da desvalorização cambial neste cenário?
FS: A desvalorização cambial beneficia os produtos industrializados, com maior valor agregado; e reduz a componente que está dentro do produto, como o tributo e outros custos. Quando se desvaloriza o preço da soja em dólar, o mercado internacional permanece praticamente o mesmo. Do ponto de vista do comprador da soja, não tem lá grandes vantagens. Portanto, essa é a desvantagem de uma economia pautada, sobretudo, em itens de menor valor agregado. O exportador de soja, com essa desvalorização, ganha mais reais, mas o impacto fica limitado aos exportadores de soja, não alcança toda a economia. Porque a soja é uma cadeia curta, ganham os estados produtores de grãos, mas o efeito não é tão amplo quanto se esse benefício ocorresse na cadeia da produção de automóvel, de calçados ou de máquinas. Se exportássemos mais bens industrializados, a desvalorização cambial seria benéfica para produtores de aço, de plásticos, de todos os fornecedores e prestadores de serviços para esses segmentos industriais. São cadeias produtivas mais ricas. Essa é  a vantagem da desvalorização cambial quando feita na Coreia, por exemplo, bem diferente do que ocorre no Brasil.
DCI: O Brasil continua um mercado atrativo para os estrangeiros?
FS: Apesar de nossas mazelas, aqui é mais vantajoso para uma empresa estrangeira se estabelecer do que na Índia, uma sociedade muito complexa. Por isso os investidores estrangeiros continuam desembarcando por aqui e isso vai criar mais concorrência doméstica. Ou seja, ainda não estamos travados em 100%, mas a evolução é lenta. A inflação está mais ou menos estável, o crescimento da economia é modesto e os juros ainda estão muito altos – Selic em 9%, menos 6% de inflação, dá um juro real na faixa de 3% ao ano. É muito juro, que é pago não só pelo consumidor, mas por grande parte da cadeia produtiva – empresas industriais, prestadoras de serviços que necessitam de capital de giro. Tudo isso inibe e encarece as cadeias produtivas. O horizonte, para os próximos dois anos é de baixo crescimento:  2,0%, 2,5%, 2,6%.
DCI: Os 4,5% ao ano ficaram para trás?
FS: Isso ficou para as calendas gregas. Não temos como sustentar um crescimento na faixa de 4,5%, pois não existem motivos para investir. Muitas cadeias produtivas operam com ociosidade, vários segmentos industriais estão com  horas de trabalho sobrando. O empresário olha para o futuro e vê a crise na Europa ainda não resolvida, nos Estados Unidos uma lenta recuperação, uma China que vai e não vai e, agora, precisa de propaganda oficial para convencer que voltará a crescer bem. Está começando a ficar claro que o planejamento da economia na China não foi perfeito, sobra produção de algumas coisas e falta demanda. Não adianta mais dar crédito para a economia funcionar, as travas do crescimento estão aí, também afetado pela desaceleração na Europa e EUA.  A China está perdendo fôlego, dinamismo, não vai crescer pouco, pois afinal de contas é uma economia grande, mas domesticamente já encontra alguns limites para seu avanço, frutos de distorções que o próprio crescimento chinês provocou.
DCI: Há risco de a situação da China se alastrar para o resto da Ásia?
FS: Sim, existe uma coisa mais ampla que diz respeito ao entorno da China: a possibilidade de uma crise asiática. A Índia já teve uma desvalorização forte, como na Indonésia e na Malásia. E a Coreia do Sul está crescendo pouco. Não é só no Brasil que o custo de vida se torna mais caro, a vida na Ásia também está ficando cara, com desvalorização nos últimos meses. Os asiáticos, com exceção dos chineses, estão com queda de consumo e isso compromete o próprio crescimento de Indonésia, Índia, que é outro Bric grande que crescia 6%, 7%, e  não vai crescer mais que 4,5%. É uma mudança em andamento, que de certa maneira, mais cedo ou mais tarde, acabará inibindo o crescimento chinês. E é isso que nos interessa de perto. Daqui dois anos, a China estará contaminada com o baixo crescimento asiático, aí as nossas commodities já baixaram a forma de preço. Chegamos ao ponto em que a própria Ásia encontra limites para avançar. No modelo chinês, o sujeito saía do campo e nas cidades era mão de obra barata, como ocorreu no Japão, modelo esse depois transportado para a Coreia, Taiwan e outras economias da Ásia, para a Índia, Tailândia, Malásia... São modelos que têm na migração  do campo para a cidade a origem da mão de obra barata aproveitada no setor produtivo. Mas em um determinado momento as cidades começam a se tornar mais caras, o custo de produção também, bem como o custo comercial. E isso começa a inviabilizar as linhas de produção de alguns segmentos, em países mais frágeis, que não têm tanto crédito, tanta saúde financeira, estabilidade fiscal.
DCI: Começam a surgir algumas fragilidades no modelo asiático?
FS: Sim, e essas fissuras são percebidas pelos investidores, que têm um montão de dinheiro em mãos e vão atrás de oportunidades, de títulos públicos e pressionam esses governos mais frágeis da Ásia a remunerar melhor os papéis emitidos por eles próprios. Como acontece no Brasil, pois estamos no mesmo planeta. O que funciona aqui funciona lá. As desconfianças dos investidores sobre o Brasil, no primeiro semestre, começam a chegar aos países asiáticos. E para nós isso não é bom. Pior que a crise europeia, para nós, é uma crise asiática. A crise europeia já está instaurada e não exportamos muito para os europeus. Nossos grandes parceiros dos últimos tempos foram os asiáticos e agora a casa deles está ficando um pouco desarrumada por conta de dificuldades fiscais, crescimento baixo, desvalorização cambial que gera crescimento menor, que dificulta o equilíbrio fiscal. Enfim, eles começam a entrar num ciclo de preocupação que pode, em alguma medida, prejudicar. O crescimento econômico chinês não é isolado, nada é isolado em termos econômicos. A China vende parte da produção dela  para a Ásia e  ela se abastece da região, compra muito insumo dos países vizinhos, que por sua vez também não vão conseguir comprar a mesma quantidade da China. Isso tudo nos leva a concluir que acabou a bonança brasileira. Não só a brasileira, mas acabou a janela de oportunidades.
DCI: O senhor vislumbra o risco de uma crise geral?
FS: Eu não diria de uma crise geral. Nos últimos dez anos houve tanta injeção de moeda que essa liquidez de recursos no mundo acabou inibindo mudanças muito bruscas. Não vejo a repetição de crises com a intensidade da asiática de 1997, russa de 1998, da crise da desvalorização cambial do Brasil em 1999. É um quadro de crescimento mais lento, cada vez mais gradual, mas sem grandes rupturas como tivemos naqueles anos, que mudaram as economias da Tailândia, da Indonésia. Até a própria Coreia passou por apuros. É um horizonte de baixo crescimento instalado, mas nesse contexto existem oportunidades para empresas mais preparadas, mais treinadas. As empresas, bancos, governos, prestadores de serviços que estiverem mais atentos a essas mudanças podem acabar com desempenhos melhores nesse quadro geral. Já os mais despreparados e desequilibrados serão prejudicados. Não é um ambiente de crescimento, com espaço para todos, quando todos podem se beneficiar do crescimento. Agora, todos terão de brigar por um espaço menor.
DCI: A recuperação, embora lenta, dos EUA, não alivia a situação geral?
FS: Os bons sinais dos EUA trazem um alento, e de certa formam contrabalançam a desaceleração asiática. A economia norte-americana não está melhorando, só parou de piorar. Não chamaria isso de contrapeso à economia da Europa, que está andando de lado. Tem um ponto muito delicado e muito relevante nos próximos meses: a forma pela qual ocorrerá a transição dos estímulos de US$ 85 bilhões ao mês na economia americana, para cerca de US$ 75 bilhões, US$ 55 bilhões, US$ 40 bilhões... Não se sabe quando esse processo vai terminar porque a recuperação não é de toda sólida. A partir do momento em que ficar mais claro que a economia está mesmo se recuperando, é provável que os juros de mercado também comecem a subir nos EUA, o que não é bom para o Brasil, pois essa dinheirama que gira no mercado financeiro internacional vai correr para lá.
DCI: Olimpíadas e Copa do Mundo não ajudam nos investimentos?
FS: Isso é conversa. O impacto das Olimpíadas já foi. O governo não vai poder fazer grande, sair gastando, porque as finanças estão apertadas. Não vou dizer desequilibradas, elas estão apertadas, então não vamos construir isso e aquilo. O setor privado está investindo, mas não é um investimento tão expressivo assim. E o que conta é investimento na indústria. Quando se constrói uma siderúrgica, uma petroquímica, isso sim é investimento que pesa na formação do capital, que fortalece o PIB. Construir um prédio não tem investimento alto. O investimento no campo abrange número limitado de pessoas, de setores, de empresas, mas não é um investimento com a mesma representatividade como os aportes no setor automobilístico, siderúrgico, papel e celulose, máquinas e equipamentos. Esses são os investimentos que aumentam a capacidade produtiva de maneira extraordinária. Esses, infelizmente, não temos.
DCI: Estamos vivendo o fim das ilusões com o fato de que os juros caíram e não voltamos a crescer como se esperava, que o real foi desvalorizado e isso pouco ajuda a nossa balança comercial?
FS: Eu acho que a gente está numa fase pós-adolescente. O  adolescente sonha ser jogador de futebol, cantor, líder espiritual, até papa e presidente da República. Acho que a gente vai cair na real nos próximos anos. O Brasil vai crescer 4%, 5%? Isso a gente pode esquecer porque não temos capacidade de investimento que leve a economia a esse patamar de avanço. Temos questões estruturais, temos um mercado que crescia 8%, 9% ao ano, isso caiu para 7%, 4% e até 3%. Daqui a pouco estaremos com uma taxa japonesa, ao redor de 1%. Estamos amadurecendo, de alguma forma estamos encontrando alguns limites, inclusive do crescimento. A própria indústria achou seu limite de crescimento, ela tem de lutar um pouco mais para não ser destruída, para ter uma vida mais longa. A concorrência asiática na indústria  é muito grande.
Fonte: DCI

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