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terça-feira, 15 de abril de 2014

Entrevista com Gesner Oliveira, doutor em Economia, ex-presidente do Cade e sócio da GO Associados especialista em regulação da concorrência

14/04/2014 às 12:40 - Por: Juliana de Moraes e Matheus Medeiros



Economista pela USP (Universidade de São Paulo), mestre e doutor em Economia pela Unicamp (Universidade de Campinas) e Universidade de Califórnia, Berkeley (EUA), respectivamente, Gesner Oliveira foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de 1996 a 2000, além de ter atuado na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda nos anos de 90 e ocupado a Presidência da Sabesp em meados desta década.
Hoje, sócio da GO Associados e professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração FGV (Fundação Getúlio Vargas), Oliveira coordena uma equipe de consultoria em projetos de infraestrutura e na elaboração de estudos e pareceres para subsidiar processos de revisão de atos de concentração junto ao Cade, além de auxiliar na avaliação de riscos concorrenciais, processos administrativos no âmbito do Conselho e na reparação de danos contra cartéis.
Nesta entrevista, ele que é autor de obras sobre Concorrência e Regulação, fala sobre os temas nas áreas de concessão pública, caso dos setores de energia elétrica e de gás natural, apontando as oportunidades de melhoria para as agências reguladoras brasileiras.
A seguir, confira a íntegra da conversa com Gesner Oliveira.
SindiEnergia Comunica - Em entrevista ao DCI, o sr. comentou que “Planejamento público e privado, boa regulação e gestão constituem o tripé da infraestrutura que ainda falta ao país”. No que tange à regulação, quais setores, a seu ver, enfrentam os maiores problemas pela ausência de um regramento para a atuação no mercado?
Gesner Oliveira - Em geral, todos os setores regulados no Brasil tem, em maior ou menor grau, alguma fragilidade. Eu diria que o setor que enfrenta maiores problemas é o setor portuário. Há uma série de sobreposições de competências, de fragilidades na área regulatória. E, a própria Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) tem problemas, que são comuns a outras agencias reguladoras, mas que são muito claras nesta agência.
Depois, avalio que vem o setor de saneamento. O segmento tem um marco regulatório que é a Lei 11.445, mas depende muito de regulação subnacional, municipal ou estadual. Dos mais de 5.500 municípios do país, a esmagadora maioria ainda não tem uma boa regulação e nem capacitação. Então, precisamos ainda de capacitação para formar pessoas e fazer um processo de construção seccional para haver agências com excelência técnica, independentes, enfim, órgãos que possam entregar aquilo que se espera de uma agência reguladora.
Em seguida, eu diria que vem a área de transportes, incluindo a área de terrestres (ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres), que também tem dificuldades em particular. Há muita incerteza em relação ao modelo ferroviário. Acho que isso é um problema. Eu diria que talvez as áreas de energia elétrica e telecomunicações são áreas em que as agências federais são um pouco mais consolidadas, ainda assim, seriam necessários mais recursos, maior independência, mas de qualquer maneira eu acho que já houve certa consolidação. 
SindiEnergia Comunica - No específico caso do setor de energia elétrica, como avalia o atual estágio da regulação?
Gesner Oliveira - Eu entendo que temos uma boa regulação. Há questões básicas para o bom funcionamento de um órgão regulador: excelência técnica, autonomia econômico-financeira, linha orçamentária e não ter interferência do executivo, contingenciamento do tesouro, dos recursos que são da agência! Além disso, é necessária uma prática de prestação de contas permanente. Então, os reguladores tem que prestar contas.
Eu diria que, desses atributos, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) tem uma boa excelência técnica. Talvez pudesse ser reforçada com mais recursos humanos, uma integração mais profunda com os centros de ensino e pesquisa do país. Como se trata de uma agência federal, de atuação regional, o fortalecimento dos convênios com as agências estaduais é muito importante. É claro que ela depende, em parte, da qualidade da regulação estadual que precisa ter uma contraparte que faça jus aos desafios e mais independência e autonomia econômica financeira e gerencial.
Não é possível que o presidente de uma agência precise de autorização do ministro para certas atividades. Avalio que a vinculação administrativa com os ministérios ainda é excessiva. Ainda falta nas agências reguladoras esse processo de construção institucional.
SindiEnergia Comunica - No segmento de gás natural, existem muitas críticas à falta de regulação para este mercado. Considerando que houve recentes leilões para a exploração deste insumo energético, quais prejuízos entende que pode haver pela falta de regras para a atuação no setor?
Gesner Oliveira - Toda vez que se introduz um elemento importante na matriz energética e não há regras previstas, isso gera insegurança. Isso ocorre não só em relação a esse segmento, mas também quanto ao conjunto dos setores porque qualquer insumo energético que você introduza altera a estrutura de preços relativos. Se há dúvidas em relação a isso, há dúvidas em relação a todos os componentes da matriz.
É sabido que, a qualquer momento, pode haver uma mudança brusca de preços relativos, portanto prejudicando o cálculo econômico, aumentando o risco e diminuindo o investimento. Entendo que não só pra esse item específico, mas para o conjunto de itens, regras claras, estáveis e discutidas são fundamentais!
SindiEnergia Comunica - É sua a afirmação: “Os serviços de energia elétrica e telecomunicações se valem cada vez mais de redes comuns, exigindo coordenação e critérios gerais de respeito à competição, e não regulações específicas”. Em sua opinião, a Comissão Conjunta composta pelas Agências Reguladoras (Anatel, ANP e Aneel) para lidar com conflitos entre prestadoras de setores distintos não é suficiente?
Gesner Oliveira - Acho muito importante haver o esforço de uma comissão que procure coordenar as ações entre as agências reguladoras. O compartilhamento de rede é cada vez mais importante, pois caminhamos para um mundo como uma rede absolutamente integrada.
Quando consideramos as redes inteligentes, não há razão para haver dissociação até mesmo entre as redes mais tradicionais, como saneamento, telecomunicações e energia. A integração é o caminho natural, a exemplo do que ocorre com o transporte nos modais. Isso vai exigir cada vez mais regulações integradas. A atividade da comissão mista em agências vai ficar cada vez maior.
Eu, pessoalmente, sempre achei que as agências multissetoriais são superiores às agências unissetoriais. As experiências da Austrália e da Nova Zelândia são muito positivas nesse sentido. E mais, também a área de regulação deveria estar integrada com a área de defesa da concorrência. O exemplo australiano, novamente, é muito interessante, pois o tema concorrencial é tratado como um tema regulatório, que no fundo é a mesma coisa.
Quando eu estava no Ministério da Fazenda (como secretário adjunto da Secretaria de Política Econômica, de 1993 a 1995), cheguei a propor a discussão de uma eventual “super agência”. Mas, chegamos à conclusão de que se trata de muita energia gasta, não vale a pena. Se houver uma rede de convênios entre as agências, com integração dos órgãos, de forma bem feita, essa solução pode nos suprir perfeitamente.
Nós não precisamos perder tempo na fusão das entidades. Agora, conceitualmente, se eu pudesse propor - e já tive oportunidade como consultor - num país que está começando, optaria pelo sistema integrado. Mas, para uma nação que já tem um modelo, proponho que haja cooperação entre as agências existentes.
SindiEnergia Comunica – Mas, considera que essas comissões compostas por representantes de diversas agências são suficientes para discutir realmente essa questão das redes comuns?
Gesner Oliveira - Eu acho que as comissões precisariam ser reforçadas com um ambiente de cooperação muito estreito entre as agências, entre as altas direções. Deve haver agilidade. Tenho impressão que um dos maiores dramas do Brasil é você passar do tempo burocrático para o tempo econômico.
O tempo burocrático é muito moroso, é muito contraditório e às vezes as decisões que vão para as instituições ficam meses, anos e emperram o desenvolvimento do negócio. Tenho a impressão de que, para ser mais ágil, deve haver um esforço de maior integração e maior mandato. O assunto, muitas vezes, fica sendo discutido, dissecado, etc, mas no nível técnico. A discussão no nível técnico chega a estar avançada, mas os dirigentes das organizações reguladoras não têm a menor ideia do que está acontecendo. E isso não se transforma em atos práticos.
SindiEnergia Comunica - Neste contexto, em que sentido acredita que o fortalecimento das agências reguladoras numa ação coordenada com o Cade pode trazer maior segurança ao mercado como um todo, considerando empresas e consumidores? Pode exemplificar uma situação em que houve resultados positivos do esforço de coordenação entre os órgãos? 
Gesner Oliveira - Eu sou entusiasta dessa ideia! Avalio que se houvesse maior integração entre as agências e, por sua vez, maior integração entre a defesa da concorrência e regulação, seriam reduzidas as barreiras de entrada, práticas de cartel.
Uniformizaríamos, dessa forma, o entendimento de conceitos concorrenciais de setores regulados. Por outro lado, educaria o Cade em conceitos regulatórios. Neste momento, por exemplo, o Cade está decidindo sobre vários temas que tangem os setores regulados. Seria muito interessante que os técnicos da Aneel, Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Antaq e da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) estivessem diretamente participando desta discussão.
Quando foi discutido o projeto de lei, a nova lei do Cade, a 2529, eu sugeri que, para evitar a descontinuidade durante o período de vacância, houvesse substituição imediata de agências reguladoras: vagou um cargo de conselheiro, imediatamente entra um suplente, que pode ser de qualquer agência reguladora, o que estimularia muito a integração. Não teria o problema do interino porque você vê no lugar alguém com mandato. É usar uma ideia para uma boa integração. Aproveita-se melhor os recursos humanos como também aprecia alguém de alguma das agências.
Como está mudando a lei, a proposta é colocar um dispositivo que alteraria, como um acréscimo, as leis das agências, que permitiriam que alguém delas ocupasse o cargo. Acredito que seria uma revolução!
A partir desse mecanismo, usaríamos melhor os recursos porque mesmo sempre tendo alguém com muito trabalho, sempre haverá alguém com mais ociosidade, que poderá ser aproveitado, induzindo esse intercâmbio necessário. Já há um plano técnico, que acho que tem que ser incentivado. Você teria uma integração no plano das direções que seria extremamente saudável sem a necessidade de promover uma fusão.
SindiEnergia Comunica - A segunda edição do seu livro Direito e Economia da Concorrência, publicação em coautoria com João Grandino Rodas, chega revista, à luz da nova lei de defesa da concorrência (Lei 12529/11). Na sua opinião, a notificação de pré-fusão é a principal mudança na Lei?
Gesner Oliveira - Eu diria que é uma das principais. Há três mudanças fundamentais. Certamente essa é a grande novidade, pois mudou a dinâmica do ato de concentração no país. É uma novidade importante que colocou a legislação brasileira em linha com a internacional.
A segunda mudança importante foi a maior integração, pois havia muita fragmentação. Você tinha uma Secretaria no Ministério da Fazenda, uma no Ministério da Justiça e outra no Cade. Fundiu-se a SDE (Secretaria de Direito Econômico) com o Cade, criando o atual Cade, e se deu uma atribuição específica e distinta para a Secretaria de Acompanhamento Econômico. Isso ordenou melhor e fez os trabalhos de integração que eram muito burocráticos. Essa foi uma mudança institucional importante.
A terceira mudança importante, e que talvez tenha sido menos visível, é a integração entre agências reguladoras e de defesa da concorrência como o Cade. Como não havia agências reguladoras antes, a lei não previa a interação entre elas. E, vários artigos da atual lei estabelecem e fixam regras de interação entre agências reguladoras e defesas da concorrência. Curiosamente, esse é um fato que não tem sido muito mostrado pela mídia, não tem sido acionado pelo setor privado e não tem sido ressaltado pelo governo. Mas, me parece que é uma das principais mudanças, pois esse é um dispositivo que existe e que é autoaplicável.
A Aneel, por exemplo, pode com grande facilidade, ao ver que o Cade vai aprovar um ato e que isso a coloca em uma dificuldade, fazer uma repugnação, rediscutir, transformando a denúncia em processo administrativo imediatamente para fazer uma impugnação. Ou seja, você cria um canal via agência reguladora para o fórum de defesa da concorrência muito interessante, o que antes não havia. Não estava previsto em lei.
Evidentemente, como decisões de fusões podem ser contestadas no judiciário, o fato de não estar previsto em lei antes enfraquecia o processo. Hoje não, seria um procedimento previsto em lei.
SindiEnergia Comunica - E de, certa forma, o sr. acredita que havendo esse caminho institucionalizado por meio de uma legislação há redução “do caminho” via Poder Judiciário?
Gesner Oliveira – Entendo que pode reduzir, sim. Digamos, não é certo, mas avalio que é positivo. Quanto maior integração você tiver no plano administrativo, maior a probabilidade de resolver o problema.
Desta forma, o foco maior fica direcionado ao resultado e não há aquele “empurra-empurra” de agência pra agência. Curiosamente, é um fato que não tem sido levantado, e acho que o setor privado ainda não entendeu que este mecanismo pode acionar muito mais tanto as agências para atuarem no Cade, quanto o órgão para atuar nas entidades reguladoras. 
Produção e edição:
Moraes Mahlmeister Comunicação

Link:http://www.sindienergia.org.br/noticia.asp?cod_not=1685&verificado=1

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