Fonte: Valor Econômico
Seg, 18 de Agosto de 2014
O avanço da discussão sobre o tamanho do reajuste necessário para realinhar os preços públicos - que tem aparecido com força no debate econômico-eleitoral - esbarra na dificuldade dos analistas econômicos em calcular a inflação represada em energia elétrica, gasolina e ônibus urbano. Juntos, esses três preços representam 9 pontos percentuais do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Em energia, a sucessão de repasses do Tesouro, empréstimos, renovação de contratos e maior uso da energia térmica praticamente impede a conta do reajuste represado. Na gasolina, os cálculos de defasagem do preço doméstico em relação ao preço internacional apontam uma diferença entre 11% e 18%. Já no ônibus urbano, a principal referência sempre foi a inflação passada, pois poucas prefeituras mantém planilhas detalhadas de custos desse serviço. Pelo critério "histórico" e considerando que os preços estavam equilibrados no ano passado, antes dos protestos, e foram beneficiados por redução de impostos, as tarifas acumulam entre um e dois anos de inflação não repassada, já que algumas capitais aumentaram os preços este ano e outras não.
A Tendências Consultoria projeta alta de 17% para energia elétrica, 10% para gasolina ao consumidor (significa 15% na refinaria) e 8,8% na média de ônibus urbano para 2015. O impacto desses preços seria de 0,46 ponto em energia, 0,38 ponto na gasolina e 0,22 ponto em ônibus urbano. Assim, os três, sozinhos, responderiam por uma inflação de quase 1,1% no próximo ano. Os percentuais projetados, explica Adriana Molinari, economista que acompanha inflação na Tendências, não tomaram como princípio o fim das defasagens. Eles representam uma projeção do que deve acontecer. "A conta de energia é complexa, mas esse percentual, com certeza, não zera o passivo", diz Adriana.
A Rosenberg Associados estima 20% para o aumento de energia para 2015,10% para a gasolina (que se seguiria a 5% ainda neste ano) e 10% em ônibus urbano. No conjunto dos administrados, a alta seria de 8,5%, com impacto de 1,9 ponto percentual, informa o economista Leonardo França Costa.
Newton Rosa, economista-chefe da Sulamérica Investimentos, estima alta de 7% nos administrados e IPCA cheio de 6,48% em 2015. Fabio Silveira, da GO Associados, tem uma inflação mais acomodada: alta de 5,8% no IPCA. Sua diferença em relação aos demais está no comportamento benigno das commodities, com impacto na inflação de alimentos. Embora calcule a defasagem da gasolina em 15% (média do mês de julho), ele não espera toda correção dessa diferença em 2015. "Os reajustes da gasolina e do diesel devem vir em prestação", diz, esclarecendo que a projeção vale mesmo se a oposição vencer as eleições. Mas a primeira prestação, pondera, pode chegar ainda este ano.
Se a defasagem no cálculo do preço da gasolina não varia tanto e depende dos parâmetros tomados (ela vai de 11% na estimativa de Newton Rosa até 18,8% nas contas da Tendências) e pode mudar no curto prazo dependendo do preço do petróleo e do câmbio, a conta da energia é muito mais complexa.
Existe uma parte da conta conhecida: o empréstimo total de R$ 17,7 bilhões feito às distribuidoras (R$ 11 bilhões na primeira ajuda e mais R$ 6,6 bilhões agora). Cada bilhão representa um reajuste necessário de 0,8% a 1% por um ano na conta de energia para ser pago. A própria Aneel já estimou que o impacto referente a esse empréstimo seria de 8% em 2015 e seria mantido por dois anos (é como se metade dele fosse pago/recolhido em um ano e a outra metade, no outro ano). Mas o reajuste de 2015 (e o de 2016) levará em conta outros fatores, como ocorre todo ano.
Nos outros fatores, há elementos que pesam para aumentar a tarifa (como a taxa de câmbio e a manutenção das térmicas ligadas) e outros que vão agir para reduzi-la. Nos dois casos, parte desses elementos ainda não está definida e depende do que vai acontecer (câmbio, volume de chuvas e renegociação de contratos, mais especificamente). E é em fatores benignos, mas ainda indefinidos, que o governo ancora sua previsão de um baixo reajuste.
Na semana passada, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, afirmou que o reajuste necessário nas contas de energia para saldar a dívida das distribuidoras será de 2,5% em 2015, de 5,6% em 2016 e de 1,4% em 2017. Segundo Tolmasquim, o passivo das distribuidoras soma R$ 23 bilhões (os R$ 17,7 bilhões mais juros), a serem saldados em três anos. Tolmasquim divide esse pagamento em três anos, mas deduz dele o que pode ser obtido com a renovação de contratos de energia que vencem a partir de 2015. Como a energia será vendida mais barata, eles entram na conta como redutor de preço.
Em 2015, vencem R$ 5,9 bilhões, mas R$ 3,3 bilhões oriundos dos novos contratos vão abater esse valor e deixar R$ 2,5 bilhões (ou 2,5%) para serem pagos no ano. Em 2016, a correção de 5,6% viria do pagamento de R$ 5,6 bilhões da dívida, já que parte dos R$ 10,5 bilhões devidos pelas distribuidoras será coberta por R$ 4,9 bilhões dos novos contratos. No ano seguinte, o saldo líquido seria de R$ 1,4 bilhão (R$ 6,8 bilhões a pagar e R$ 5,6 bilhões de receitas com a renovação dos contratos de distribuição), como informou na ocasião ao Valor PRO - serviço de informação em tempo real do Valor.
No mercado de energia, as contas de Tolmasquim referentes ao impacto dos empréstimos são consideradas otimistas porque se estima uma redução menor oriunda da renegociação dos contratos. Além disso, a perspectiva do ano começar com as térmicas ligadas, já encareceria, de novo, a conta. Um terceiro ponto, lembra Adriana, da Tendências, é a partir de que momento o repasse feito pelo Tesouro às distribuidoras em 2013 (R$ 9 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético) começará a ser cobrado nas contas de luz para ser devolvido.
Além da dúvida sobre o tamanho do reajuste, o impacto do aumento da energia elétrica no IPCA é mais complexo do que no caso da gasolina, cujo preço sobe ao mesmo tempo em todo o país. Na energia, a situação é menos linear. Nas capitais que entram no IPCA e com reajuste até julho (oito das 13 cidades), o aumento médio autorizado varia de 9,4% a 23,8%, e os aumentos autorizados se transformaram em uma inflação nacional de 9,73% até julho, equivalente a um impacto de 0,26 ponto percentual na inflação de 3,76% acumulada de janeiro a julho. Deflações que ainda persistem em outras capitais ajudaram a amenizar o impacto e, no caso de São Paulo, parte do reajuste ainda entrará em agosto.
Por fim, para compor o trio de reajustes incertos para 2015, as tarifas de ônibus urbanos também são uma incógnita. Algumas prefeituras reajustaram o preço este ano (como Rio de Janeiro e Porto Alegre). Outras (como São Paulo) não fizeram nenhum reajuste. Em casos como o paulistano, Adriana, da Tendências, não vê espaço político para um reajuste mais expressivo, que compense dois anos de aumento de custos de uma só vez.
Newton Rosa chegou a fazer um exercício quase matemático estimando qual o impacto de realinhamento total das tarifas de energia e transporte urbano, além do preço dos combustíveis, planos de saúde e demais administrados. Com alta de 27% na energia e 20% na gasolina, ele chegou a um reajuste médio de pouco mais de 12% nos administrados. Como o peso desse conjunto de itens é de 23% no IPCA, sozinhos eles responderiam por uma inflação de 3%. "Não consideramos essa uma hipótese, foi um exercício com diferentes variáveis. Trabalhamos com reajustes menores", explicou ele.
Apesar de estimar um aumento maior dos administrados em 2015, Silveira, da GO Associados, projeta uma alta de 5,8% no IPCA no próximo ano. Seu cenário difere dos demais por uma aposta maior no impacto benigno da queda do preço das commodities. "Os preços estão cedendo esse ano e vão ceder mais no ano que vem", diz Silveira. O pano de fundo dessa projeção é a combinação de safras boas e juros em alta, que farão recursos migrarem dos fundos de commodities para os papéis do Tesouro americano. Parte da ajuda já virá nesse segundo semestre (quando os preços dos alimentos subirão menos que em outros anos, estima ele), e parte virá em 2015, mesmo em um quadro de câmbio mais valorizado.
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