O ano da virada?
O governo tirou da gaveta sete concessões em 2013, e o investimento
privado em transportes bateu recorde. Agora é preciso manter o ritmo
São Paulo - A presidente Dilma Rousseff se afasta — felizmente ¬— cada
vez mais daquela candidata à eleição de 2010 que criticava as privatizações em
debates públicos. Diante da marcha lenta do Programa de Aceleração do
Crescimento, adotou um discurso pró-concessões pouco tempo depois de assumir o
cargo.
Em 2012, foi além e lançou um plano nacional que prevê 206 bilhões de
reais de investimentos privados em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos ao
longo de três décadas. Passados três anos de seu governo, os resultados da
política de atração do capital privado começam a aparecer.
No primeiro semestre de 2014, Dilma marcou presença na inauguração de
três novos terminais aeroportuários concedidos à iniciativa privada, em
Brasília, São Paulo e Rio Grande do Norte. No discurso de abertura do terceiro
terminal do Aeroporto de Guarulhos, em maio, a presidente não poupou elogios às
empresas responsáveis pela obra.
Em dois anos e meio, o consórcio Invepar ACSA, que ganhou o leilão do
aeroporto, montou uma estrutura de 200 000 metros quadrados que amplia em 33% o
fluxo anual de passageiros. Deverão passar por Guarulhos, a cada ano, 48
milhões de pessoas. “Em pouco tempo, as empresas construíram uma excepcional
infraestrutura”, disse a presidente, entre sorrisos e aplausos.
O fato é que o governo passou a reconhecer que, sozinho, não pode
resolver o problema dainfraestrutura, negligenciada há muito tempo no país.
Agora, admite que as empresas são mais ágeis para tocar os empreendimentos e
recorre ao capital privado para a realização de grandes obras.
“O poder público depende de uma burocracia que atrapalha a gestão”, diz
o ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda Gesner
Oliveira, um dos organizadores do livro Parcerias Público-Privadas: Experiências,
Desafios e Propostas. “A iniciativa privada é mais livre para executar obras e
tomar decisões.”
Com o Planalto mais pragmático, abriu-se um espaço para que as empresas
entrassem em campo. E assim 2013 encerrou um ciclo de oito anos em que os investimentos
públicos em infraestrutura de transportes — embora muito baixos — superavam os
privados.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que as
concessionárias desembolsaram o valor recorde de 16 bilhões de reais para
rodovias, aeroportos, ferrovias e portos no ano passado, 44% mais do que o
poder público.
“Mesmo com o avanço, ainda estamos no meio do caminho”, diz Paulo
Fleury, presidente do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).
“O Brasil precisa de um total de 1 trilhão de reais para alcançar o
nível da infraestrutura americana.”
Em abril, o consórcio Inframerica inaugurou o píer sul do Aeroporto
Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, considerado um dos piores
pelos usuários. Em dois anos, o operador foi capaz de aumentar a capacidade do
aeroporto em 30%, para 21 milhões de passageiros por ano.
O consórcio Aeroportos Brasil, responsável por Viracopos, no interior de
São Paulo, está atrasado. As obras deveriam ter sido entregues até maio. Apesar
de fora do prazo, a concessionária conseguiu concluir mais de 90% do projeto.
Se comparada com o setor público, ainda assim está bem à frente. Dados
do Ilos mostram que as 12 maiores obras de infraestrutura do governo têm atraso
médio de quatro anos.
Ao que tudo indica, ao menos nos setores de aeroportos e de rodovias, as
concessões começaram a deslanchar. Na atual gestão, o governo conseguiu leiloar
seis aeroportos e seis trechos de estradas federais. Só no ano passado foram
sete projetos que saíram da gaveta. Se depender das empresas, há apetite para
mais.
“Se o projeto for bom, temos interesse em participar”, diz Gustavo
Rocha, presidente da Invepar, vencedora dos leilões do Aeroporto de Guarulhos e
da BR-040, que liga Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais, passando pela
região metropolitana de Belo Horizonte.
Os contratos de concessões têm prazo definido e, por isso, as empresas
buscam renovar suas carteiras para manter a perpetuidade do negócio. Como a
primeira fase de concessões no Brasil ocorreu na década de 90, muitos contratos
estão chegando ao fim. No ano que vem, vence a concessão da ponte Rio-Niterói,
que garante ao grupo CCR cerca de 150 milhões de reais ao ano.
“Vamos participar novamente do leilão para não perder essa receita”, diz
Leonardo Vianna, diretor de novos negócios da CCR, que assumiu no ano passado o
Aeroporto de Confins, em Minas Gerais, e o trecho da BR-163 em Mato Grosso do
Sul.
Os grupos que dominam o mercado de concessões no Brasil são verdadeiros
gigantes — em sua base estão grandes empreiteiras, como Odebrecht e Engevix. Só
no setor de rodovias, o número de empresas criadas por eles para operar cada um
dos trechos arrematados dos leilões dos governos federal e estaduais cresceu
50% desde 2007, para um total de 54 concessionárias.
No caso dos aeroportos, as empresas criadas já aparecem na lista das
maiores do país por receita líquida nesta edição de MELHORES E MAIORES. A
concessionária do Aeroporto de Guarulhos, a GRU Airport, é a 166a do ranking, com
receita de 3,1 bilhões de reais no ano passado.
Quatro dos grandes grupos de concessões têm ações negociadas na bolsa de
valores: CCR, Arteris, EcoRodovias e Triunfo. Juntos, eles têm valor de mercado
de quase 50 bilhões de reais e uma dívida que corresponde a um terço desse
montante. De acordo com analistas que acompanham os resultados dessas
companhias, a maioria dos grupos tem condição financeira de assumir novas
concessões.
O governo tem dado um empurrão para que as empresas participem de
leilões. Ninguém tem sido tão importante para a nova onda de concessões no
Brasil quanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A
instituição estatal financia até 70% da obra com juros de 7% ao ano — 4 pontos
percentuais abaixo da taxa básica da economia, a Selic.
O banco prevê que nos próximos quatro anos o investimento em logística
de transportes no país some 171 bilhões de reais. “O Brasil não tem um problema
de falta de recursos”, diz Dalmo Marchetti, gerente de logística do BNDES. “Mas
o país tem um desafio, que é desenvolver outras fontes de financiamento para as
concessões além do BNDES, como o mercado de capitais.”
Apesar do progresso, a nova onda de concessões está longe do fim. No
caso das rodovias, um terço dos 7 000 quilômetros previstos no programa de
investimento em logística, lançado em 2012, ainda não foi leiloado. Neste ano,
o governo já anunciou que quer conceder mais cinco rodovias, um total de 2 600
quilômetros.
Esses trechos não estavam no plano de dois anos atrás e devem somar 18
bilhões de reais em investimentos. Já nos aeroportos, agora o foco do governo
está na aviação regional. A ideia é reformar ou construir 270 aeroportos de
médio e pequeno porte. Neste momento, o governo analisa a melhor solução para
cada um desses terminais no que diz respeito à administração.
Ela pode ficar a cargo da União, dos estados, dos municípios ou ser
concedida à iniciativa privada. No setor privado, há expectativa quanto a
futuras concessões de aeroportos maiores, como os de Recife e Salvador.
Para que o ritmo de concessões ganhe mais força, o governo precisa
destravar os leilões de portos e ferrovias. Os modelos para esses setores não
dão segurança aos investidores. Nos portos, a ineficiência da Companhias Docas
é uma preocupação para quem atua em terminais públicos.
Essas empresas só conseguem usar um terço dos recursos liberados pelo
Tesouro a cada ano por falta de projetos e ingerência política. Dessa forma,
investimentos importantes como os de dragagem — obra de aprofundamento do canal
— deixam de ser feitos. Já no caso das ferrovias, o setor privado quer reduzir
o risco da estatal Valec.
Hoje uma empresa de engenharia, ela seria encarregada de adquirir toda a
capacidade de transporte das ferrovias privatizadas. O temor é que, ao longo
dos 35 anos de concessão, o governo mude de ideia ou não ponha dinheiro
suficiente para que a empresa honre o compromisso.
“Da forma como o marco regulatório das ferrovias está, não há condições
de investir”, diz Carlo Alberto Bottarelli, presidente da Triunfo Participações
e Investimentos, concessionária de Viracopos. “No entanto, o governo tem
discutido o tema do marco regulatório com as empresas para que uma solução seja
encontrada.” O que foi feito até agora já é um avanço, mas ainda há um longo
caminho pela frente.
Link:
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/106702/noticias/o-ano-da-virada
O ano da virada?
O governo tirou da gaveta sete concessões em 2013, e o investimento
privado em transportes bateu recorde. Agora é preciso manter o ritmo
São Paulo - A presidente Dilma Rousseff se afasta — felizmente ¬— cada
vez mais daquela candidata à eleição de 2010 que criticava as privatizações em
debates públicos. Diante da marcha lenta do Programa de Aceleração do
Crescimento, adotou um discurso pró-concessões pouco tempo depois de assumir o
cargo.
Em 2012, foi além e lançou um plano nacional que prevê 206 bilhões de
reais de investimentos privados em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos ao
longo de três décadas. Passados três anos de seu governo, os resultados da
política de atração do capital privado começam a aparecer.
No primeiro semestre de 2014, Dilma marcou presença na inauguração de
três novos terminais aeroportuários concedidos à iniciativa privada, em
Brasília, São Paulo e Rio Grande do Norte. No discurso de abertura do terceiro
terminal do Aeroporto de Guarulhos, em maio, a presidente não poupou elogios às
empresas responsáveis pela obra.
Em dois anos e meio, o consórcio Invepar ACSA, que ganhou o leilão do
aeroporto, montou uma estrutura de 200 000 metros quadrados que amplia em 33% o
fluxo anual de passageiros. Deverão passar por Guarulhos, a cada ano, 48
milhões de pessoas. “Em pouco tempo, as empresas construíram uma excepcional
infraestrutura”, disse a presidente, entre sorrisos e aplausos.
O fato é que o governo passou a reconhecer que, sozinho, não pode
resolver o problema dainfraestrutura, negligenciada há muito tempo no país.
Agora, admite que as empresas são mais ágeis para tocar os empreendimentos e
recorre ao capital privado para a realização de grandes obras.
“O poder público depende de uma burocracia que atrapalha a gestão”, diz
o ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda Gesner
Oliveira, um dos organizadores do livro Parcerias Público-Privadas: Experiências,
Desafios e Propostas. “A iniciativa privada é mais livre para executar obras e
tomar decisões.”
Com o Planalto mais pragmático, abriu-se um espaço para que as empresas
entrassem em campo. E assim 2013 encerrou um ciclo de oito anos em que os investimentos
públicos em infraestrutura de transportes — embora muito baixos — superavam os
privados.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostra que as
concessionárias desembolsaram o valor recorde de 16 bilhões de reais para
rodovias, aeroportos, ferrovias e portos no ano passado, 44% mais do que o
poder público.
“Mesmo com o avanço, ainda estamos no meio do caminho”, diz Paulo
Fleury, presidente do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).
“O Brasil precisa de um total de 1 trilhão de reais para alcançar o
nível da infraestrutura americana.”
Em abril, o consórcio Inframerica inaugurou o píer sul do Aeroporto
Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, considerado um dos piores
pelos usuários. Em dois anos, o operador foi capaz de aumentar a capacidade do
aeroporto em 30%, para 21 milhões de passageiros por ano.
O consórcio Aeroportos Brasil, responsável por Viracopos, no interior de
São Paulo, está atrasado. As obras deveriam ter sido entregues até maio. Apesar
de fora do prazo, a concessionária conseguiu concluir mais de 90% do projeto.
Se comparada com o setor público, ainda assim está bem à frente. Dados
do Ilos mostram que as 12 maiores obras de infraestrutura do governo têm atraso
médio de quatro anos.
Ao que tudo indica, ao menos nos setores de aeroportos e de rodovias, as
concessões começaram a deslanchar. Na atual gestão, o governo conseguiu leiloar
seis aeroportos e seis trechos de estradas federais. Só no ano passado foram
sete projetos que saíram da gaveta. Se depender das empresas, há apetite para
mais.
“Se o projeto for bom, temos interesse em participar”, diz Gustavo
Rocha, presidente da Invepar, vencedora dos leilões do Aeroporto de Guarulhos e
da BR-040, que liga Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais, passando pela
região metropolitana de Belo Horizonte.
Os contratos de concessões têm prazo definido e, por isso, as empresas
buscam renovar suas carteiras para manter a perpetuidade do negócio. Como a
primeira fase de concessões no Brasil ocorreu na década de 90, muitos contratos
estão chegando ao fim. No ano que vem, vence a concessão da ponte Rio-Niterói,
que garante ao grupo CCR cerca de 150 milhões de reais ao ano.
“Vamos participar novamente do leilão para não perder essa receita”, diz
Leonardo Vianna, diretor de novos negócios da CCR, que assumiu no ano passado o
Aeroporto de Confins, em Minas Gerais, e o trecho da BR-163 em Mato Grosso do
Sul.
Os grupos que dominam o mercado de concessões no Brasil são verdadeiros
gigantes — em sua base estão grandes empreiteiras, como Odebrecht e Engevix. Só
no setor de rodovias, o número de empresas criadas por eles para operar cada um
dos trechos arrematados dos leilões dos governos federal e estaduais cresceu
50% desde 2007, para um total de 54 concessionárias.
No caso dos aeroportos, as empresas criadas já aparecem na lista das
maiores do país por receita líquida nesta edição de MELHORES E MAIORES. A
concessionária do Aeroporto de Guarulhos, a GRU Airport, é a 166a do ranking, com
receita de 3,1 bilhões de reais no ano passado.
Quatro dos grandes grupos de concessões têm ações negociadas na bolsa de
valores: CCR, Arteris, EcoRodovias e Triunfo. Juntos, eles têm valor de mercado
de quase 50 bilhões de reais e uma dívida que corresponde a um terço desse
montante. De acordo com analistas que acompanham os resultados dessas
companhias, a maioria dos grupos tem condição financeira de assumir novas
concessões.
O governo tem dado um empurrão para que as empresas participem de
leilões. Ninguém tem sido tão importante para a nova onda de concessões no
Brasil quanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A
instituição estatal financia até 70% da obra com juros de 7% ao ano — 4 pontos
percentuais abaixo da taxa básica da economia, a Selic.
O banco prevê que nos próximos quatro anos o investimento em logística
de transportes no país some 171 bilhões de reais. “O Brasil não tem um problema
de falta de recursos”, diz Dalmo Marchetti, gerente de logística do BNDES. “Mas
o país tem um desafio, que é desenvolver outras fontes de financiamento para as
concessões além do BNDES, como o mercado de capitais.”
Apesar do progresso, a nova onda de concessões está longe do fim. No
caso das rodovias, um terço dos 7 000 quilômetros previstos no programa de
investimento em logística, lançado em 2012, ainda não foi leiloado. Neste ano,
o governo já anunciou que quer conceder mais cinco rodovias, um total de 2 600
quilômetros.
Esses trechos não estavam no plano de dois anos atrás e devem somar 18
bilhões de reais em investimentos. Já nos aeroportos, agora o foco do governo
está na aviação regional. A ideia é reformar ou construir 270 aeroportos de
médio e pequeno porte. Neste momento, o governo analisa a melhor solução para
cada um desses terminais no que diz respeito à administração.
Ela pode ficar a cargo da União, dos estados, dos municípios ou ser
concedida à iniciativa privada. No setor privado, há expectativa quanto a
futuras concessões de aeroportos maiores, como os de Recife e Salvador.
Para que o ritmo de concessões ganhe mais força, o governo precisa
destravar os leilões de portos e ferrovias. Os modelos para esses setores não
dão segurança aos investidores. Nos portos, a ineficiência da Companhias Docas
é uma preocupação para quem atua em terminais públicos.
Essas empresas só conseguem usar um terço dos recursos liberados pelo
Tesouro a cada ano por falta de projetos e ingerência política. Dessa forma,
investimentos importantes como os de dragagem — obra de aprofundamento do canal
— deixam de ser feitos. Já no caso das ferrovias, o setor privado quer reduzir
o risco da estatal Valec.
Hoje uma empresa de engenharia, ela seria encarregada de adquirir toda a
capacidade de transporte das ferrovias privatizadas. O temor é que, ao longo
dos 35 anos de concessão, o governo mude de ideia ou não ponha dinheiro
suficiente para que a empresa honre o compromisso.
“Da forma como o marco regulatório das ferrovias está, não há condições
de investir”, diz Carlo Alberto Bottarelli, presidente da Triunfo Participações
e Investimentos, concessionária de Viracopos. “No entanto, o governo tem
discutido o tema do marco regulatório com as empresas para que uma solução seja
encontrada.” O que foi feito até agora já é um avanço, mas ainda há um longo
caminho pela frente.
Link:
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/106702/noticias/o-ano-da-virada
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